Ele conheceu o skate na década de 70, narrador de grandes campeonatos de skate nacional e mundial. Foi um dos primeiros membros do Skate das Antigas e entendeu desde princípio o espírito skate for fun do nosso trabalho. De vez em quando lança alguns “quizz” que fazem a galera pensar, relembrar e principalmente se divertir. Ele tem muita história boa para contar e para nós é uma honra poder entrevistar nosso amigo Guto Jimenez!
Como foi o seu primeiro contato com o skate?
A primeira vez que eu vi alguém andando de skate na vida foi no dia do meu aniversário em 1970. Eu estava fazendo 8 anos e a cidade havia praticamente parado para receber os jogadores que tinham acabado de se consagrar como tricampeões da Copa do Mundo; a minha família morava no mesmo prédio do goleiro Félix, então estavam rolando várias comemorações ao mesmo tempo pelos prédios do quarteirão. Eu estava na janela da sala quando ouvi um barulho parecido com o de carrinhos de rolimã; quando vi, eram dois caras andando de skate na rua… eu só fui pisar num skate pela primeira vez nas férias de julho de 1975, quando alguns vizinhos meus do prédio ganharam os seus carrinhos e a gente começou a andar na garagem do prédio. O meu pai me deu o meu primeiro skate um mês antes do Natal daquele ano, era um Benrose com eixos de 3 parafusos, rodas de borracha e caixas de bilhas (risos). Desde então, não parei mais.
Como era o skate no Rio de Janeiro nos anos 70?
Era uma daquelas coisas que, quando você se dá conta, todos os adolescentes estavam fazendo. Para onde eu fosse, ia de skate e via muitos garotos e meninas da mesma faixa etária fazendo o mesmo. Em 78, virou modinha mesmo (risos). Os picos eram lotados: a Pirâmide, o MAM e o Parque Guinle, na área onde eu morava; a Cobal do Humaitá e a rua Maria Angélica, celeiro de talentos do skate da ZS do Rio; a rua São Sebastião e a rampa da Pedra, na Urca; ladeiras na Tijuca, Usina e Grajaú… Depois começaram a pintar as pistas em Nova Iguaçu, Jacarepaguá e Campo Grande, depois o bowl do Barramares e a rampa da Company na Lagoa, sem falar nas inúmeras rampinhas (quarters) espalhados pela cidade.
Você chegou a andar na pista de Nova Iguaçu, que dizem que é a pista mais antiga do Brasil?
A pista de Nova Iguaçu é mesmo a mais antiga do Brasil, tendo sido inaugurada em 1976. Eu cheguei a ir lá logo depois que inaugurou, mas eu não era muito ligado ao skate em transições por dois motivos: as pistas de concreto eram muito longe de casa, então poucos amigos se animavam a encarar as longas viagens de ônibus e trem; já as rampas de madeira ou eram particulares, e portanto restritas, ou eram de alguma galera que praticava o localismo. Eu não tinha muito saco para isso, logo fechava os punhos para brigar (risos), então meio que enchi o saco de arrumar problemas só para andar de skate. Eu só fui passar a andar em pistas e me interessar por skate em transições por volta de 81 / 82, quando o movimento punk começou na pista de Campo Grande. Eu estudava na mesma faculdade do Tatu (RIP), que foi o grande catalisador do punk rock carioca, e ele vivia me instigando a andar nas pistas, embora eu preferisse as ruas, as ladeiras e o freestyle. Ele me influenciou a andar em transições, enquanto eu e outros dois skatistas chamados Ayrton Cavalo e Olmar Marreco o levamos para o street. Foi bom para todos nós.
O Rio é uma cidade praiana, o skate teve uma cena forte no começo?
Sim, muito forte, foi bem como eu disse um pouco antes: era algo que todos os adolescentes faziam. Até hoje, quando sou apresentado a algum cinquentão daqui e digo que sou um skatista das antigas, a conversa é sempre a mesma: “eu também andei de skate naquela época”. Não falha nunca! (risos) A conexão com o surfe era quase que automática: na ZS, quase todo skatista também pegava onda. As exceções eram os caras que eram os melhores freestylers e uma boa parte da galera da ZN, mas todos os malucos que se jogavam nas ladeiras também surfavam. As duas culturas andaram de mãos dadas até o surgimento do movimento punk, aí pode se dizer que o skate e os skatistas passaram a ter a sua própria identidade e a fomentar a sua própria cultura.
Quem eram os caras da época?
São muitos para serem citados, a minha memória pode falhar e eu cometer alguma injustiça, mas vamos lá. Na minha área, tinham o Flávio Badenes, o Taitai Warwick e o Edu Bersan que andavam muito de freestyle e participavam de campeonatos, fora os outros locais da Pirâmide, como o Urso, Hélvio, os irmãos Bruno e Sting, Speedo, Falcon e Bocão. No Parque Guinle, os irmãos Baritta, Tuco, Zé Júnior, Anu e Estevinho (RIP). Na Maria Angélica e na Cobal, era uma constelação: Marcelo Neiva e seu irmão Luizito, Alexandre Calmon, Ernesto Tello, Maninho, Marcelo Bruxa, Danilo, Claudinho, Mark Lewis… Os caras eram mestres no pico, deviam juntar uns 100 moleques nos finais de semana pra dropar a ladeira, mas os locais paravam todo o movimento, cada drope deles era uma aula de skate. Na Urca, tinha o Cesinha (um grande incentivador da cena desde sempre), Savinho, Dorinho, Eric Wilner (o dono da rampa da Pedra). Em Nova Iguaçu, os maiorais eram o Quinzinho, o Ocho, o China e o Betão (o ator global Humberto Martins). Campo Grande era quintal dos irmãos Carlinhos e Roberto Ho-Ho, além do Tatu, Cavalo, Magrinho, os irmãos Oscar e Osmar Lattuca, Renato Nanas, Pedro Galera, Bruno Baldinha, Marcus Playboy, Sapo, Márcio Mumu (que inventou o switch stance na pista por volta de 1985), Lúcio Flávio (que parava a pista quando fazia freestyle no quadrado)…
Skate para você sempre foi for fun ou teve vontade de se profissionalizar?
Sempre for fun. A bem da verdade, eu até acabei virando “pro” totalmente por acaso… Eu fui competir no Mundial da Alemanha em 87, fui o primeiro brazuca a participar do evento. No início daquele ano, eu tinha lido na Thrasher que o campeonato europeu iria virar um evento mundial com a presença de norte americanos, canadenses e “quem mais quisesse participar”. Tinha o endereço da Titus Skates, daí eu mandei uma carta para eles dizendo que era um amador esforçado do Brasil, escrevia para uma revista (a Yeah!) e que queria participar do evento. Eles me responderam e me enviaram todas as informações, incluindo uma ficha de inscrição, a qual eu respondi me inscrevendo no street amador. Eu trabalhava na VASP, uma empresa aérea da época, então passagens aéreas de graça não eram problema (risos). Meses depois, lá estou eu na fila para me apresentar quando me deram um programa do campeonato. Fui na lista dos convidados internacionais, com os nomes dos caras da Bones Brigade, da Vision, Sims, do Hosoi… e adivinha qual nome estava lá na parte de baixo da página? “Guito Jimenez”, como eles escreveram. Eu pensei, “PQP, qual parte do amador esforçado que eles não entenderam?!” (risos) Fiquei com vergonha de desmentir os caras e pronto, decidi virar “pro” na fila. Acho que sou o único que teve essa cara de pau (risos), porque eu nunca andei bem o suficiente para ser pro. A meu favor, eu fui o 2º do ranking amador de Freestyle da S.U.A.T. em 84, mas só porque participei de todos os campeonatos; os semi-pros da época estavam a anos-luz à minha frente. Mais adiante, em 88, eu poderia ser um pro de downhill slide porque tinha uma boa linha, mas os feras eram caras legendários como Fernandinho Batman, Urso, Paulo Coruja, Flávio Ascânio e Kiko Codina. Não dava para eu alinhar com eles (risos).
Uma das maiores lembranças que tenho do Guto é a narração dos campeonatos. Você continua narrando?
Continuo sim, principalmente em eventos que agregam um valor diferenciado ao cenário ao qual eles pertencem. Já fiz eventos de todas as entidades nacionais e mundiais de skate de todas as modalidades (WCS, IFSA, IGSA, IDF, ISSA), com exceção da ISF, e já fiz até locução de campeonato internacional de snowboard no Chile. Em todos eles, rolava algum tipo de politicagem de bastidores, algo perfeitamente normal em campeonatos de maior orçamento e maior exposição de mídia. Eu comecei a enxergar um grande conflito ético com a minha condição de jornalista, pois não abria mão de fazer alguma crítica construtiva num texto só porque eu havia sido pago para fazer a locução. Uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Infelizmente, alguns organizadores de eventos não pensavam da mesma maneira e achavam que o cachê da locução cobriria as ideias do jornalista; se tivessem me contratado para também fazer a assessoria de imprensa, aí seria uma situação bem diferente, mas achar que poderiam comprar a minha opinião por conta de um cachê polpudo? Sem chances. Fiquei sabendo de algumas histórias bem escrotas nos bastidores, de fofocas desnecessárias e outras baixarias ditas sobre mim, e preferi abrir mão para quem quisesse fazer as locuções. Não vou dar moral a quem não tem coragem de me criticar na minha frente; eu não sou bonito, mas não mordo (risos) nem sou dono da verdade, só das minhas e olhe lá. Passei a escolher os eventos que participo, alguns até sem receber cachê algum, pois prefiro trabalhar com prazer e contribuir de forma positiva a algum cenário.
O campeonato de street de Guará em 89 ficou marcado na história. Como foi narrar esse champ com grandes nomes da época?
Todo aquele circuito foi histórico, desde a abertura na Top Sport até o encerramento em São Caetano. O Paulo Anshowinhas e eu ainda fazíamos a transmissão pela TV Cultura, o que só aumentava tanto a nossa responsabilidade quanto o nível de loucura envolvidos na missão (risos). O de Guará foi todo especial por se tratar do nosso “templo sagrado” do skate nos anos 80 e por conter uma verdadeira constelação dos melhores skatistas da época, das equipes Urgh, Lifestyle, Mad Rats, Mustabí, H Prol… Todos os amigos do Vale do Paraíba presentes, nós sendo tratados como celebridades pelas autoridades (e achando graça de tudo), meninas pedindo autógrafo nas bermudas de lycra, noites quase insones… Zoeira boa! (risos)
E o skate hoje em dia? Continua andando?
Eu sofri uma séria lesão no joelho esquerdo há três anos num acidente doméstico, tendo de fazer uma cirurgia no mesmo quase quatro meses depois. A demora entre a lesão e a cirurgia por causa da “burrocracia” me causou outra lesão de brinde, só que no quadril esquerdo. Para encurtar uma longa história: após 2 anos e meio de fisioterapia e um ano e meio de musculação, eu finalmente voltei a pisar num skate. Nada de mais, foram apenas uns dropes numa descida bem ridícula que tem perto da minha casa, mas é como se parte de minha alma tivesse voltado ao meu corpo. Tenho plena consciência de que nada será como antes quando eu voltar a andar com mais frequência, e não sei nem se vou poder voltar a andar em transições, mas não me importa. Se eu puder contornar uns cones no slalom e fazer uns dropes de free ride no gás de vez em quando, já vai estar bom demais. São quase 55 na carcaça velha, sendo 42 de skate… Ninguém fica impune com uma estrada dessas. O foda é que, quando eu me lesionei, eu estava quase preparado fisicamente para alcançar 100 km/h numa ladeira reta daqui do Rio. Já estava tudo planejado, eu seria puxado de tow in por uma moto na parte reta e, quando chegasse ao alto da ladeira a 70, largaria e chegaria aos 100 no drope. Essa coisa vinha desde que atingi 95 km/h num drope há uns 15 anos, mais ou menos, sem ter nem o equipamento nem o preparo para isso. Eu demorei um tempão para atingir não só o nível técnico necessário, mas principalmente o estado mental que é preciso para se andar em alta velocidade numa boa. Esse plano ficou definitivamente para trás, já que esse tempo parado me fez enxergar que é melhor andar com mais consciência para poder andar por mais tempo.
Fale-nos sobre o seu programa de rádio, qual som que rola na sua play list?
Eu voltei a apresentar um programa de rádio após alguns anos, numa web radio de Niterói chamada Planet Rock. O programa “Psycho Rock” estava indo bem, com boa audiência e com um público fiel de ouvintes de todo o Brasil, mas a emissora deu uma brecada para enxugar custos – sabe como é, a crise tá braba mesmo e o programa não tinha patrocínio, então não deu pra viabilizar a continuidade do projeto. Enfim, foi bom para “aquecer as turbinas” por assim dizer, e agora eu já estou envolvido com outro projeto cujo formato vai lembrar muito um programa de rádio. Será uma espécie de “fanzine sonoro”, o qual o ouvinte vai poder ter acesso via Mixcloud para ouvir onde estiver e na hora que quiser. Vai rolar skate rock, hip hop e uns informes doidos (risos). Ainda tá sendo formatado, espero lançar o mais rápido possível.
Já vimos várias discussões sobre o skate ser esporte ou não. Qual a sua opinião?
Cara, o skate é aquilo que cada um de nós quer que ele seja. Se você é bem jovem e só quer se divertir, ótimo; se você já for mais veterano e entrar numas de disputar campeonatos, OK – embora eu ache que, depois de uma certa idade, essa fissura por disputas é algo desnecessário. Se você faz street, vert, freestyle, downhill, slalom, downhill slide, dancing… melhor para você. Desde que seja a sua própria expressão pessoal sobre uma tábua montada sobre dois eixos e quatro rodas de uretano, é maravilhoso. Vejo muita preocupação sobre o skate ter “perdido a sua essência” e coisas assim; isso é algo que nunca, jamais vai acontecer. Um dia desses, vi alguém num grupo de Whatsapp escrever que “o skate virou esporte olímpico e isso acaba de vez com o seu lado underground”… Que bobagem atroz! Desde quando uma coisa elimina a outra? Sempre vai haver aquele street num pico que não é para andar de skate, as cidades estão aí para isso. Sempre vai ter gente enxergando transições onde os outros não veem nada, e botando os skates para andar ali. Sempre vai ter uma quadra de esportes ou um terreno liso vazio, pedindo para uma rotina de freestyle. Sempre vai ter um horário bom pra dropar aquela ladeira no gás, com pouco trânsito e sem gente para encher o saco. Andar de skate é fazer o inusitado num local inesperado em uma hora surpreendente. É se divertir andando, com todas as consequências boas e ruins que venham por conta disso. Não vai ser um status olímpico que vai mudar isso. O ethos do skate não muda.
Quais os prós e contras do skate atual para você?
Prós: a maior exposição que o skate já teve em todos os tempos. O maior nível técnico jamais atingido – sei o que falo aqui, pois já pratiquei todas as modalidades (exceto o dancing) e acompanho todas elas com atenção. A maior proliferação de lugares para se andar de skate e, em consequência, a sua maior aceitação pela sociedade como um todo. O maior respeito pelos que construíram a história do skate até que se chegasse ao estágio atual. A consolidação do talento de skatistas brasileiros em todas as modalidades: já são mais de 50 campeões mundiais desde 1995, em quase todas as modalidades.
Contras: a proporção geométrica de paraquedistas que caem sobre o mercado e o cenário de skate. A mania que alguns idiotas têm de acharem que só as modalidades que eles praticam é que têm algum valor. A falta de valorização das mulheres skatistas em termos de premiações de campeonatos e de exposição em mídia. A falta de visão holística de boa parte dos dirigentes do skate. Alô, vamos acordar! Fazer pelo skate não é só organizar eventos, é fomentar a sua prática pela sociedade como um todo. O Brasil é o 2º maior cenário e o 2º maior mercado de skate do planeta, já passou da hora de consolidar esse espaço antes que algum outsider o faça.
Deixe um recado para a galera do SDA.
O grupo e o site Skate Das Antigas são como aquelas sessões de skatistas veteranos que não se veem muito, mas que sempre fazem aquela festa quando estão juntos. Acho fundamental que os trintões, quarentões, cinquentões e sessentões por aí tenham esse canal de expressão e de troca de ideias, além de podermos relembrar alguns dos momentos memoráveis pelos quais todos nós passamos sobre nossos skates. Cada um de nós tem suas cicatrizes e marcas de ralados os quais exibimos com orgulho, pois fazem parte de alguns dos momentos mais divertidos de nossas vidas. Quem é Old School reconhece os seus e sabe muito bem quem é um “old escroque” – é aquilo, quem é de verdade sabe quem é de mentira… Um salve a todos da Geração Triplo X – CalmineX, DorfleX e TandrilaX! Estamos juntos! (risos)
Biscoito ou bolacha? (risos)
É só ler o pacote, vai estar lá: B I S C O I T O! Fim de polêmica! (risos)
Divulgue suas redes sociais.
Seja no Facebook, no Twitter, no Instagram ou no Medium, é só acrescentar um “gutojimenez” e pronto. Eu tenho um site chamado Skateboarding Militant, mas deu um problema no registro e um malandro aí acabou dando um olé no Google (risos), eu estou esperando resolver isso para reativá-lo. Eu estou começando a organizar o meu acervo fotográfico, com registros feitos entre 1987 e 2002, portanto vem mais essa novidade por aí. Quando tiver tudo no esquema, vou divulgar em primeira mão aqui no SDA, beleza? Skate sempre! Fui!