Ele tem 55 anos, começou a andar de skate na década de 70 e não parou mais. É fundador de uma das maiores revistas de skate no Brasil, faz parte da história do nosso skate e continua contribuindo com informação de qualidade, hoje em diversas plataformas. Com vocês, Cesar Gyrão!
Como foi seu início com o skate?
Em meados de 1975 tive meus primeiros contatos com o skate em minha terra natal, Criciúma, no sul de Santa Catarina. Os garotos que estudavam fora, em capitais como Florianópolis e Porto Alegre, levaram os primeiros skates para a cidade. Cheguei a presenciar o desmonte de patins, corte de pequenas pranchas de madeira e a junção destas peças para formar um skatinho. As turmas se formavam nas calçadas da Praça do Congresso, entre eles o meu irmão mais velho, o Ney, que apenas experimentou a novidade. Depois de andar com skates emprestados, meses depois, meu irmão mais novo, o Felipe, montou um para descer as ladeiras, mas fui eu que na virada para 76 adotei o brinquedo diariamente. Lembro de skates de rodas de borracha, como os gaúchos Romesnadi (tive um), depois o meu primeiro RK (comprado no Rio, aos 14 anos de idade) e um Hang Ten, o primeiro importado. Corri o primeiro campeonato em julho de 1976, numa descida de asfalto para o Acesso Centro para a BR 101. As primeiras revistas que eu vi, foram trazidas por meus pais de viagens para São Paulo. Entre alguns títulos, havia a Skateboarder e a Wild World of Skateboarding. Lembro de um dia ficar alucinado ao ver um filme na TV, ainda em preto e branco, com skate. Acho que era o “O Mundo das Pranchas.” Passei a acompanhar a cena que se formava em meu estado e na região Sul, correndo eventos, viajando, lendo as revistas brasileiras que surgiam (Esqueite depois a Brasil Skate, o Jornal do Skate), até começar a fazer fanzines, organizar associações e me encontrar como skatista.
Você foi um skatista que procurou se profissionalizar ou foi skate for fun?
O envolvimento com as causas do skate foi se tornando natural. Os primeiros eventos eram divididos apenas por duas faixas de idade, ou seja, junior (até 14 anos) e senior (de 15 em diante). Em 1977, um evento foi marcante para mim, no Morro da Lagoa da Conceição, em Floripa. Fiquei em segundo entre os seniors, com o Ademar Gonzaga, que hoje é ministro do Supremo, na minha frente. Em 78 e 79 participei dos campeonatos brasileiros do Clube Doze de Agosto, na praia de Jurerê, também em Floripa. Não tínhamos pistas em Criciúma e o snake run que descia o morro era assustador. Bem diferente das nossas rampas de madeira. Os paulistas, principalmente os da equipe da Wave Park, eram uns monstros. Dali pra frente, fui percorrendo os caminhos naturais da época. Mudei pra Porto Alegre para terminar o segundo grau e fazer pré-vestibular e passei a fazer parte de equipes como a Skate World e a Atlântico Sul, que eram mais apoios que patrocínios. Ganhei alguns eventos e fui bem classificado em outros, entre as modalidades freestyle e vertical (half pipe), mas também me aventurei em slalom e speed. Dali para minha primeira participação no Brasileiro de Guaratinguetá, em São Paulo, foi um pulo. Foi no ano de 1983, quando viajei de Pelotas, onde morava, para Guará, de carro, com a família e amigos. Acho que meu primeiro evento na categoria semi-profissional foi em 85, em Guará, pois já tinha um histórico no esporte e era natural mudar de categoria. Nunca fui profissional de fato, por não ter recebido salários, apenas ajuda de custo e material. Em 1989 tive meu primeiro e único pro model pela Raticida, marca de São Paulo.
Você que é da primeira geração do skate no Brasil, diga-nos como era o skate nos anos 70 no país?
Acho que sou da segunda geração, pois havia outros antes de nós. Talvez a nossa leva seja a primeira que permaneceu no skate sem sair. Tenho orgulho de nunca ter parado de andar, coisa que muitos fizeram, chegando a períodos de 5, 10, 15 e até 20 anos sem andar – e hoje todo mundo que voltou a andar é “old school”. Nos anos 70 o skate era bem colorido, rudimentar, ingênuo. Sempre foi uma forma de expressão artística e uma boa desculpa para cair na estrada e conhecer outros lugares. Alguns skatistas eram especialistas em determinadas modalidades, mas normalmente a gente tinha um “quiver” com skates diferentes para usar em terrenos e situações diferentes. Um carrinho para o estilo livre, outro para descer ladeiras e fazer slalom, outro mais comprido e com eixos duros para descer reto e pegar mais velocidade. Mais para o final da década, a largura dos decks aumentou para explorarmos melhor as transições, as rampas de madeira e as novas pistas que surgiam.
Além de skatista, você tem grande participação na história do skate brasileiro com a revista Tribo Skate. Como foi o início da revista? Foi sua ideia? Quais os principais desafios?
Em 88 eu estava morando em Floripa e era repórter do jornal O Estado, quando me chamaram pra participar da revista Overall, durante um evento com o nome Overall Skate Show, que rolou no Projeto SP, em São Paulo, com presença do Tony Hawk e o Lance Mountain e participação das nossas estrelas como Mauro Mureta, Álvaro Porque?, Sérgio Negão, Lemuel Dinho, Luciano Kid e outros. Poucos dias depois eu estava deixando Santa Catarina para viver em São Paulo e chefiar a redação de uma das principais revistas da época, na verdade a primeira dos anos 80. Cheguei no fechamento da edição 9 e fiquei até a revista parar em 1990, na número 19 (depois teve apenas mais um pôster publicado). Com o fechamento da Overall, juntei o seguro desemprego com a grana do Fundo de Garantia e fiz o boneco da revista Tribo Skate. Chamei amigos pra participar e iniciamos o projeto. Entre o núcleo inicial da Tribo Skate, havia personagens que trabalharam em diferentes revistas especializadas nos anos 1980, como a Yeah!, Skatin’ e Skt News, além da Overall. A revista começou a ser desenvolvida no começo de 1991 e apenas em setembro conseguimos circular com a número um. Os desafios eram muitos, principalmente causados pela economia do país, pois acabávamos de passar pelo trauma do Plano Collor, um plano econômico do governo do presidente Fernando Collor que dificultou a vida de muitas pessoas. Convivemos com inflação alta e tivemos que batalhar muito para criar um negócio saudável.
Qual o papel da revista Tribo Skate no atual mercado de esporte?
Considero as revistas especializadas um dos pilares do nosso mercado e cultura. Temos a função de registrar as épocas históricas com material de alta qualidade, valorizando a formação de skatistas e marcas, os profissionais do mercado, as inovações e tendências, fornecendo conteúdo com espírito crítico que proporcione discussão e prazer. No atual mundo digital, as coisas são atropeladas e a revista Tribo Skate é uma tremenda ferramenta de “branding”, de formação de marcas e personalidades, pois o que é publicado no papel tem maior absorção, grava melhor nos consumidores e formadores de opinião.
Com toda essa mudança mundial nos meios de comunicação, como fica o futuro das revistas impressas?
Aumenta cada vez mais o nível de exigência do material produzido nas revistas no mundo todo e com a Tribo Skate não é diferente. Fotos e textos mais caprichados, boa impressão e projeto gráfico definido são imprescindíveis e as revistas têm que chegar nas mãos de um público qualificado, que as usarão como fonte de inspiração para ampliar os horizontes do skate. Além da impressa, temos uma plataforma online com um site atualizado e redes sociais que conversam com a “mãe”, a revista que originou tudo isso há mais de 25 anos.
E o skate? Você anda de skate atualmente? Como é o skate na sua vida?
Como disse antes, nunca parei e não penso em parar tão cedo. Aos 55 anos, o corpo não responde mais como antes, mas tenho consciência dos meus limites e me contento com os rolês que consigo fazer em bowls e pistas, principalmente, mas também em parques e ruas, quando possível. Tenho andado bastante com meu filho Branco, de 11 anos, e às vezes com as outras filhas, a Shaiani, de 34 e a Constanza, de 6. Adoro andar com os amigos e brincar, tirar onda.
O que você acha do mercado de skate atual? Acredita que tenha a mesma essência?
Muita coisa mudou, mas não a essência. O que sinto com essa era digital é que se instalou uma espécie de egoísmo, mas também muito exibicionismo. O egoísmo está em muitas ações de marcas e skatistas serem feitas apenas em seus nomes, sem dividir com outras marcas e skatistas. Antigamente víamos mais eventos em que “todo mundo” participava e compartilhava bons momentos e hoje em dia algumas grandes marcas promovem apenas os seus grandes eventos, normalmente para vender apenas seus conceitos e produtos. A parte do exibicionismo é o exagero criado por personagens com grandes audiências e, muitas vezes, sem conteúdo relevante. São muitos skatistas bons gerados da noite para o dia, mas muitos não terão o que falar ou contribuir para o futuro. No entanto, apesar disso, a essência do skate sempre será a subversão e a criatividade, apesar da nova fase de esporte olímpico. Isso é uma outra história.
Se temos grandes representantes do skate brasileiro no mundo, o que falta para o mercado nacional crescer na mesma proporção?
Apenas o país voltar a entrar nos eixos, com menos corrupção e equilíbrio politico. O mercado brasileiro do skate é robusto, mas três anos de recessão quebram as pernas de muitos que fazem trabalhos legais. Via de regra, os grandes skatistas brasileiros no mundo também devem seus sucessos ao mercado do skate de nosso país, pois a maioria começou aqui.
Como você vê a volta do skate old school? Recebemos constantes relatos de pessoas que voltaram a andar de skate depois de muito tempo. O que acha disso?
O skate old school existe há muito tempo, não está voltando agora. Muitos estão recorrendo ao carrinho para se sentirem mais novos e para ocuparem seu tempo de maneira mais alegre. É a verdadeira fonte da juventude. Estou participando de vários grupos de WhatsApp com skatistas mais velhos e isso é um fenômeno nacional. Em 1999, o Jorge Kuge pensou no primeiro Urgh Lendas do Skate em Guaratinguetá, muitos anos depois dos primeiros campeonatos brasileiros dos anos 80. Mais tarde surgiu o Swell Old School, na região de Porto Alegre e agora são vários encontros como este espalhados pelo país. É bem legal, quando alguns tiram as teias de seus skates abandonados e voltam a viver.
Você tem acompanhado o Skate das Antigas?
Não muito, mas depois desta entrevista tenho certeza que vou acompanhar mais. É uma iniciativa muito legal que já tem uns anos e que já movimentou bastante a cena, com eventos culturais e esportivos além do site e das redes sociais. Everaldo Ratónes é um tremendo artista que assina grandes clássicos de nossas melhores marcas. Temos que agradecer muito a ele e seu time.
O SDA foi criado com o intuito do resgate e valorização da história do skate no Brasil desde a década de 70. O que você acha dessa busca em mostrar como o skate chegou aos dias de hoje e seus personagens?
Acho fantástica e necessária. Nós também valorizamos a história e seus personagens e o Skate das Antigas desempenha muito bem seu papel.
Deixe um salve para o SDA.
Que o Skate das Antigas continue essa missão e que possamos nos ver mais, celebrar mais, crescer juntos e juntar forças.
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#somostodosCBSK. Convoco a todos a darem força para a campanha para que nossa confederação seja reconhecida pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil), para comandar o processo olímpico até Tóquio 2020~
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Girão é Sérgio Ungaretti de laguna. Vc filmou muito na pista do sorvetao na década de 70. Você tem imagens minha? Podes me enviar?
César é Luiz Cláudio amigo do Ney e do Carlão de Criciúma. Não nos vemos desde que vc foi para SP. O skate virou esporte olímpico e vc sempre gostou e incentivou. Parabéns. Valeu a pena sonhar. Abração.